AS  ASSOCIAÇÕES  NO  NOVO  CÓDIGO  CIVIL

MIGUEL REALE

 

                        De acordo com o Art. 53 do novo Código Civil “constituem-se as associações pela união de pessoas que se organizem para fins não econômicos”. Denominam-se sociedades as reuniões organizadas para finalidades econômicas.

                        No que se refere às associações tenho sido consultado, como supervisor da Comissão Revisora e Elaboradora do Código Civil, sobre as disposições ora em vigor, que têm dado lugar a graves dúvidas sobretudo quanto ao quorum fixado para as deliberações da assembléia geral, à qual compete privativamente a eleição dos administradores.

                        Em primeiro lugar, cabe esclarecer que a palavra “administradores” é empregada no sentido de “dirigentes”, qualquer que seja a expressão usada no estatuto social, como, por exemplo, a de diretores ou conselheiros. Não procede a crítica à referida terminologia, pois entre as acepções do termo “administrar”, figuram, como ensina Aurelio Buarque de Holanda, as de “gerir, governar, dirigir”.

                        Como, de conformidade com o Art. 2.031, das disposições finais e transitórias, têm as associações o prazo de 1 (um) ano, a partir da vigência da nova Lei Civil, para se adaptarem às disposições desta, é compreensível o desejo de interpretação certa do respectivo texto, não podendo deixar de contribuir com meu ponto de vista.

                        A questão mais delicada se refere à eleição dos dirigentes pela assembléia geral, porquanto se configuram várias hipóteses à luz do estatuto social, devendo-se considerar, desde logo, proibida a eleição por outro órgão que não seja a assembléia geral, como, por exemplo, os chamados associados fundadores.

                        Isto posto, todavia, não procede o entendimento de que a escolha deva sempre ser feita de uma só vez e para a totalidade dos cargos a serem preenchidos,  podendo o estatuto prever a eleição em períodos distintos, de um ou mais anos, com renovação periódica e parcial do mandato dos diretores.

                        Não é dito, assim, que os cargos que compõem a Diretoria da associação devam ser eleitos pela assembléia geral, para cada um deles, podendo o estatuto social estabelecer a escolha por ela de todos os componentes de um Conselho, cabendo a este, depois, a designação, dentre os seus membros, dos titulares dos cargos de direção.

                        Com tais medidas fica preservado o direito dos associados de decidir livremente sobre o processo de administração que julguem mais adequado aos interesses da entidade, preferindo a eleição indireta de seus diretores, bem como que a eleição não seja global, mas apenas para uma das partes do Conselho, na proporção e datas previamente estabelecidas.

                        Parece-me que a eleição dos dirigentes feita em dois ou mais pleitos é a mais indicada para as associações de grande porte e com valores da tradição a serem preservados, visto como, com tais providências, a renovação do quadro dirigente se operará sem rupturas e descontinuidade indesejáveis.

                        Como se vê, o entendimento que estou dando às determinações do novo Código Civil sobre associações é o que melhor atende ao exercício da “liberdade de associação” assegurada pelo Inciso XVII do artigo 5º da Constituição federal, sem o seu prejudicial engessamento, resultante de restrita interpretação da lei, sem se atender ao valor essencial da liberdade.

                        O ponto que tem merecido justas críticas é o parágrafo único do Art. 59, na hipótese de alteração do estatuto e destituição dos administradores, exigindo-se para tanto, o voto concorde de 2/3 (dois terços) dos presentes à assembléia especialmente convocada para esse fim, não podendo ela deliberar, em primeira convocação, sem a maioria absoluta dos associados, ou com menos de 1/3 (um terço) nas convocações seguintes. É um exagero que deve ser corrigido mediante emenda supressiva do mencionado parágrafo.

                        Como se vê, não sou infenso a reformas da nova Lei Civil, concordando que nela haja várias alterações, como, por exemplo a da disposição que reduziu a ridículos 2% (dois por cento) a multa aplicável ao condômino que deixar de pagar pontualmente a prestação das despesas do condomínio, ou, então, a supressão do parágrafo único do artigo 1.704 que obriga o cônjuge inocente a conceder alimentos ao cônjuge declarado culpado.

                       O que não se compreende é que se proponham emendas sem justa causa, ou em hipóteses inamovíveis, como é a da proposta feita por um deputado federal, visando a supressão dos artigos que estabelecem a responsabilidade civil objetiva, ou a possibilidade de revogação dos contratos nos casos de onerabilidade excessiva, resultante de fatos graves e imprevisíveis, matéria já admitida por predominante doutrina.

                        Voltando, por fim, ao problema das associações, indaga um de meus leitores se a eleição da Diretoria que venha a ocorrer antes de 10.1.04, deverá ser feita pela assembléia, ou, conforme dispõe o estatuto, o qual confere à Diretoria eleita o direito de completar o quadro dirigente.

                        Ora, o Código, nas disposições transitórias  ressalvou o mandato dos dirigentes ainda não eleitos pela assembléia geral, por se tratar de ato jurídico perfeito, e fixou o prazo de um ano para as associações se adequarem à nova lei.

                        Como, de acordo com a Lei de Introdução ao Código Civil, a lei posterior revoga a anterior quando regule inteiramente a matéria, ou quando seja com ela incompatível, a eleição dos administradores pela assembléia geral constitui uma alteração essencial do paradígma anteriormente vigente, e deve ser respeitada. A ocorrência de eleição antes do prazo concedido para a adaptação é uma oportunidade para que a associação se ponha em consonância com os novos mandamentos legais.

                                                                                               29/03/2003